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terça-feira, junho 03, 2014

“Fez mais por mim do que Jesus” – Japão/Coréia 2002 

Mas iremos achar o tom Um acorde com um lindo som E fazer com que fique bom Outra vez, o nosso cantar E a gente vai ser feliz Olha nós outra vez no ar O Show Tem Que Continuar... 2002 é até hoje um dos três melhores anos da minha vida. Tudo aconteceu, tudo deu certo. Havia me formado na faculdade em dezembro de 2001, planejava morar e trabalhar fora do Brasil por um ano e tinha total consciência que entrava em uma fase mágica. Vivia em paz e me divertia como nunca. O plano de morar fora foi levado a sério. O desejo original era Barcelona e o destino final foi Greenfield, New Hampshire, EUA. 600 (sim, seicentos) habitantes e invernos com trinta abaixo de zero. Recebi a carta formalizando a oferta da empresa dia 19/3, o que me deixou feliz e preocupado ao mesmo tempo. A empresa queria que eu começasse dia 22 de abril e nao existia a menor possibilidade de eu não assistir à Copa no Brasil. Enrolei o que pude e abril passou. Culpei a burocracia brasileira e maio se foi. No início de junho recebi um ultimato: se não começasse até 1/7 eu perdia a vaga. Topei. O mundial do Japão e da Coréia acabaria dia 30/6, comprei minha passage São Paulo-Boston pro mesmo dia. Sim, estiquei a corda. A menos de três meses da estreia era impossível fazer qualquer prognostico sobre o desempenho do Brasil na Copa. A seleção batera no fundo do poço em 2001, com Leomar em campo e Candinho (sucedendo Leão que sucedera Luxemburgo!) no comando. A chegada de Felipão não aliviou as coisas e o Brasil conseguiu a façanha de ser eliminado(merecidamente) por Honduras nas quartas de final da Copa América da Colômbia, vi este jogo no Playball da Pompeia. Rivaldo estava baleado e Ronaldo, aleijado.Aos trancos e barrancos, chegamos ao ultimo jogo das eliminatórias precisando ganhar da Venezuela para nos classificarmos. As vacas estavam tão magras que o jogo foi tenso mas passamos com 2 gols de Luizão, que saiu batendo no peito e foi abraçar Felipão nas comemorações. Nascia ali o embrião da família Scolari. O perrengue une. Retrato do desespero que tomou conta de todos, lembro que uma capa de Placar antes do mundial falava que as esperanças do país estava nos ombros de um jogador fora de atividade há 2 anos (Ronaldo Nazário, como Felipão chamava o Fenômeno) e um atacante de 36 anos que não primava exatamente pelo esmero no cuidado com a própria conducao física (Romário). O Baixinho estava em baixa pois reza a lenda que tinha pedido dispensa da seleção justamente na estreia de Felipão nas eliminatórias contra o Uruguai em Montevideo. Disse que precisava operar a vista e teria sido flagrado na balada poucos dias depois. Classic. Mas como jogava muita bola e Felipão tem coração mole, quase dobrou o homem ao fazer um depoimento em que chorou e pediu pra ser convocado em entrevista coletiva. Só não o fez porque, segundo outra lenda, Felipão teria descoberto que a coletiva fora organizada por Don Eurico Miranda e que o choro seria falso. Desta forma, peitou a opinião pública e preferiu convocar vários atacantes que roeram o osso nas eliminatórias como Edílson e Luizão. Pois bem, voltando à minha saga, a partir de 19/3 tinha entrado em clima de bota-fora e comecei a me desfazer de uma séria de coisas. Ao fuçar na internet descobri que tinha uns tais pontos Dotz que não serviam pra muita coisa mas que me permitiam resgatar um CD. Escolhi um tal de “Puro Suingue” de Jorge Ben e esta acabou sendo boa parte da trilha sonora daquele mundial. Aquela maneira arrastada e caricata do cara cantar transportava a gente direto pros anos 70 e nos fazia sonhar que a Copa seria tão generosa conosco quanto o primeiro mundial do México tinha sido pra geração dos nossos pais (eu tinha 22 anos em 2002 e minha mãe, 19 em 1970). Eu já padecia da mesma “ansiedade pré-Copa” que me acomete hoje e escrevia uns textos de futebol pra ver se o tempo passava mais rápido. Curiosamente, dei uma olhada no meu blog, que anda bastante empoeirado e vi que o ultimo texto foi escrito em 2 de julho de 2010 justamente sobre Brasil x Holanda. Lá se vão quatro anos sem escrever. Contando os textos que penso em fazer antes e durante a Copa, o blog ultrapssará a marca de 100 artigos e crônicas. Ao invés de compartilhar na web, minha ideia é separar os 20-30 melhores textos e imprimir um par de livros pro Leo e a Olívia lerem daqui uns anos. Finalmente 31/5/2002 chegou e com ele duas coisas mágicas: fui para meus últimos jogos universitários na vida (Magrão e eu) e a maldita da França abriu a Copa dando papelão diante de Senegal com Zidane se arrastando em campo. Fazia um frio de rachar, tínhamos dormido no carro e colocado despertador pra 06h00 pra acordar e ver o jogo numa padaria. As coisas começavam bem. Dormir no carro por quatro dias no interior de SP em pleno inverno é complicado até quando você tem 22 anos. Sendo assim Magro e eu saímos em busca de algum lugar pra dormir (o mais barato possível) e encontramos uma velha pilantra que alugou pra gente o quarto de um estudante na casa dela. O moleque tinha viajado para encontrar os pais e topamos na hora. A combinação de ver jogos em padarias e beber cerveja as 06h30 da manhã era estranha no começo mas depois de dois dias se incorporou à nossa rotina. Assim vimos a Argentina ganhar de 1x0 (Batistuta) da Nigéria no bar do Claudinho (uma tremeda bicha, a propósito), o Uruguai perder da Dinamarca e a Inglaterra empatar com a Suécia. Ver jogos da Copa de manhã, curtir os jogos universitários à tarde e à noite. Era uma rotina difícil. Dia 2 de junho voltamos para São Paulo à noite. Os sinais luminosos da Estrada desejavam boa sorte à seleção ao invés de informar acidentes e pontos de tráfego. Chegamos em casa e dormir era praticamente impossível. Acordei às 05h00 e chamei o Magrão pra vermos o jogo duro contra a Turquia, com direito a Ronaldo mostrando que tinha fome, Rivaldo simulando agressão e o juizão marcando penalti escandaloso em falta fora da area em Luizão. Milton Neves continuava repetindo que o Brasil venceria os sete jogos de junho mas o primeiro jogo deixava claro que aquele Copa teria muita emoção. O samba puxado por Ronaldinho Gaúcho no onibus da seleção após os jogos passou a fazer companhia lá em casa ao CD do Jorge Ben. Veio o jogo da China e fomos pra cobertura dos pais do Fernando, cunhado do Guto. Jogo tranquilo, gols dos 4Rs e churrasco com baladinha na sequencia.O grupo do Brasil era uma baba a ponto de no jogo seguinte eu ter aberto uma exceção: ver jogo do Brasil em Copa na balada. Era aniversário do Magro, fomos pro Image e vimos a pelada contra a Costa Rica. Tão pelada que o Brasil jogou de shorts branco, o Edmílson fez gol de meia bicicleta e o Junior formiga foi eleito o melhor em campo. De quebra, cruzei o Pedro Pavan na balada, um grande amigo que eu não via desde 94 e que nunca mais vi depois disso. Deve ter sido um sinal. As coisas começaram a melhorar e as temidas França e Argentina morreram na 1a fase. Além disso o chaveamento tinha parecia ter sido camarada e reservou um jogo contra a Bélgica nas 8as pra gente. Parecia mas não foi. Nunca estivemos tão perto da eliminação naquele mundial quanto no jogo contra a Bélgica em que Marcos pegou tudo e o apito amigo voltou a jogar do nosso lado (gol legítimos dos caras mal anulado). 2x0 enganoso com gols de Rivaldo e Ronaldo e Kléberson entrando pra arrumar o time (tal e qual Mazinho em 94). Mais uma vez ficava a impressão de que seria muito improvável que aqueles dois monstros jogassem mal no mesmo dia. Enquanto isso a sorte continuava a soprar a nosso favor com a Itália sendo absurdamente garfada contra a Coréia, lembro que vi este jogo meio escondido na sala do helpdesk da SAP. 20 de junho foi meu ultimo dia de trabalho na SAP, decidi usar os ultimo dez dias no Brasil pra resolver algumas funções da mudança e ver a copa do mundo em paz. A começar pelo Brasil x Inglaterra na madrugada seguinte. Saímos da balada (Morisson na Vila Madalena se não me falha a memória) pra vermos o jogo na casa do Magrão. Acredite se quiser mas o Tadeu dormiu no 1o tempo, não viu a cagada do Lúcio no gol do Owen e só acordou com a gente esmurrando a veneziana no gol de empate do Rivaldo em finalização genial de corpo invertido após arrancada fantástica do Gaúcho. Gaúcho este que faria gol espírita logo no início do segundo tempo e seria expulso pra deixar o jogo dramático. Fomos pra rua comemorar mas o negócio estava devagar, as pessoas claramente não estavam dando o valor merecido à Copa. Àquela altura o único grande que tinha sobrado era a Alemanha uma vez que o apito amigo deu as graças de novo e fez da Espanha a mais nova vítima da Coréia. Assisti à semifinal contra a Turquia na casa da MS. Jogo modorrento e Ronaldo com corte de cabelo de Cascão fazendo gol de bico só pra gente matar a saudade do Romário contra a Suécia em 94. Estávamos na final e nada ou ninguém poderia tirar aquele título da gente. Vendi meu carro e fiz minhas malas enquanto esperava a final que parecia não chegar nunca. No dia do jogo acordei às 04h00, liguei pro Guto e combinamos de chegar no Fernando antes da hora combinada. Acordamos o cara às 06h00 e abrimos a primeira cerveja para combater aquela ansiedade maldita. Reservamos um lugar bem perto da TV pois naquele dia a expectativa era de casa cheia. 1o tempo mais complicado do que o esperado, jogo igual, Marcão salvando e bola na trave pros caras. Em alguns flashes, lembro do Ronaldinho estar bem e do Ronaldo ter perdido um gol. No 2o tempo nos impusemos e Ronaldo fez as vezes do messias da vez. Depois do segundo gol não aguentei e gritei, para reprovação das meninas presents, que aquele cara já tinha feito mais por mim do que Jesus. No final do jogo estávamos ajoelhados chorando, principalmente o Tadeu que tinha perdido o pai dois meses antes. Emendamos um churrasco ali mesmo, de lá fomos pra Faria Lima (outro flash: vi o ex-árbitro Godoy mamado dentro do Tipuana) comemorar a felicidade plena de sermos os melhores do mundo na coisa mais importante da vida. O dia que nunca deveria ter acabado chegava ao fim. Passei em casa, peguei minhas coisas e fui de carona com o Juan pra Cumbica. Dormi antes mesmo do avião decolar e so acordei com ele batendo no chão. A United perdeu minhas malas e finalmente conheci o Kevin Harte do RH da empresa que quase me dspensou antes de me contratar. Ao me conhecer o Kevin disse que tinha gravado vários jogos da Copa, tenho estas fitas K7 em casa até hoje. 2002 foi nossa Copa de 70. Juventude, craques (o passar do tempo porá Ronaldo no nível de Garrincha e Roberto Carlos no de Nilton Santos, não tenha dúvida), campanha impecável e felicidade absoluta. Na memória a lembrança de um ano perfeito.

“O dia em que Deus morreu” – França 98 

1998 seria um ano inesquecível. 18 anos, entrando na faculdade, Copa do Mundo com Romário e Ronaldo. Não conseguia imaginar a vida muito melhor do que aquilo. Tinha passado bem no vestibular e por volta de março fui surpreendido por uma pergunta da minha mãe: “olha, voce fez 18 anos e passou na faculdade. Vou lhe dar um presente e voce tem duas opções: um carro popular zero km ou um pacote pra ver os jogos do Brasil na 2a fase da Copa da França. O que vai ser?” Que pergunta mais sem sentido. Quando percebi estávamos na Agaxtur da avenida Europa fechando o pacote com ingressos para 4 jogos em 3 semanas de viagem. O custo da viagem era o mesmo do carro. Um mundial na França era praticamente um torneio disputado em campo neutro, afinal os donos da casa tinham ficado de fora das duas últimas Copas. E com a dupla Romário e Ronaldo, do passe de peito e três gols cada na final da Copa das Confederações de 97, com Roberto Carlos e seu gol desafiando a física contra a França no quadrangular antes da Copa, nada poderia segurar o Brasil. Bem, talvez a panturrilha contundida do Baixinho pudesse. Lembro-me como se fosse ontem (estava no bar da faculdade) da coletiva em que ele chorava feito criança enquanto seu corte era anunciado pela comissão técnica, Dr Lídio Toledo à frente. Da mesma forma como está fresca na memória a lembrança do craque se recuperando pelo Flamengo a ponto de jogar um amistoso e anotar um gol contra o Inter durante a Copa. Bola pra frente. Na abertura da Copa vi em casa um jogo morno contra a Escócia, com direito a um gol bizarro do Cafu (na súmula o árbitro deu gol contra). A culpa era da famosa tensão da estreia. Antes da partida contra o Marrocos fui às compras na 25 de março e fiz a festa. A parte mais importante da mala pra França estava garantida.O jogo em si foi tranquilo e valeu pelo fato do Ronaldo ter desencantado. Veio o terceiro jogo (mesmo dia da morte do cantor Leonardo) e com ele a lembrança de um conceito que pra mim explica muita coisa no futebol: não importa a diferença técnica entre as equipes, e sim o encaixe entre os estilos de jogo. E contra a Noruega o jogo do Brasil simplesmente não encaixa. Derrota merecida e de virada por 2x1 e déjà vu do Brasil x Suécia (o jogo que a crítica chamou de “bisonho”) de 94. Brasil passou em 1o no grupo, o desempenho mediano não importava tanto porque sabemos que Copa não tem a menor lógica. Dias depois eu pisava na Europa pela 1a vez. Jamais vou me esquecer da cara da minha mãe olhando pra minha na saída do metro na Place de La Concorde. Paris era ainda mais linda do que eu imaginava e o chaveamento tinha sido camarada o suficiente para colocar o Chile de Zamorano e Salas no caminho do Brasil nas oitavas. Fomos ao Parque dos Príncipes e a primeira coisa que me chamou a atenção foram os torcedores de sofá: querem ver o jogo sentados, não falam palavrão e dão a impressão que o jogo é um mero detalhe. A partida em si correu como eu esperava: fácil, afinal de contas o estilo de jogo dos chilenos era, é e sempre será muito compatível com o nosso. Dois gols de César Sampaio e dois de Ronaldo. Na saída do estádio tínhamos certeza que o adversário nas 4as seria a Nigéria pois naquela época ainda se acreditava em seleção africana. Paris era mesmo um lugar divertido. Estávamos no Ibis Montmartre (minha mãe pediu pra mudar de hotel porque o nosso ficava literalmente do lado de um cemitério), perto dos cabarés e de uns escoceses que andavam sem cueca e passavam o dia inteiro bêbados. Antes do jogo das 4as (sim, a Dinamarca enfiou uma sacolada na Nigéria) tive tempo de ir num show de música brasileira em Paris e de fazer uma viagem curta pra Bélgica. O jogo das 4as foi num estádio antigo e acanhado em Nantes. Chegamos cedo e pude acompanhar pelo rádio do segurança do estádio a França passar pela Itália nos pênaltis. Quando vi a atitude entojada do cara depois que o país dele se classificou pras semifinais tive a convicção de que aquele povo triste não merecia ganhar a Copa. O jogo em si foi mais emocionante que o anterior, quase uma pelada em que o Rivaldo decidiu pra gente. Eu olhava pro campo e pensava que era muito difícil Ronaldo e Rivaldo estarem mal no mesmo dia. Um dos dois sempre decidiria o jogo pra gente. Saímos do estádio cantando que a Argentina podia espera pois a hora deles ia chegar. Chegou mas chegou contra a Holanda. Eu andava com a minha mãe em Paris mas não resisti e entrei num pub cheio de argentinos pra acompanhar o final do jogo. Berkcamp mata o lançamento de Frank de Boer de uma maneira espetacular e fulmina a Argentina no ultimo minuto. Que coisa linda. Começo a gritar de felicidade, os argentinos me olham feio e eu corro pro banheiro do pub pra comemorar em paz. Entre as 4as e as semis demos um pulo em Londres e curtimos um pouco mais Paris: túmulo do Napoleão em Les Invalides, Museu Rodin, Musée d’Orsay. Trem bala para Marseille para nos depararmos com um lado diferente da França: sujeira, ambiente portuário, tinha mais cara de África do que de Europa. O jogo mais emocionante que assisti no estádio na minha vida o foi em grande parte por causa do lateral direito escalado pelo Zagalo naquele dia: o glorioso Zé Carlos cuja maior demonstração de talento era a imitação perfeita de papagaio na concentração. A gente estava muito perto do campo, o cara estava visivelmente desesperado no jogo e a todo momento parecia que a Holanda ia marcar um gol nas costas dele. O 2o tempo foi um jogaço, com o Ronaldo arrebentando mas perdendo a chance de matar o jogo antes de Kluivert subir 5m pra fazer de cabeça enquanto o saudoso Junior Baiano parecia chumbado no chão. Vieram os pênaltis e confesso que não vi o Zagallo histérico à beira do gramado motivando os batedores. Pensei em 94 e ajoelhei na arquibancada (os penaltis foram cobrados do lado oposto ao que a gente estava). Taffarel repetiu 94 e salvou a gente. Só me lembro de chorar, olhar pro lado e ver dois caras vestidos de freira ajoelhados e chorando do meu lado. Saí do estádio com dor de cabeça. Não sou exatamente uma pessoa de fé mas rezava muito. No fundo sabia que o time não estava bem e me apeguei a promessas religiosas para ganharmos a copa. Lembro que ficava quase uma hora rezando na cama depois que minha mãe apagava as luzes do quarto. Pensava que se deus existisse ele atenderia minhas preces. Como estávamos no Sul da França, decidimos ir pra Itália fazendo algumas paradas na costa, sendo Mônaco uma delas. Fomos descendo até Roma e a cada chance que tinha eu perguntava aos italianos quem ia ganhar a copa. Mais do que me responder, eles me pediam pro Brasil ganhar porque ninguém na Europa suportava os franceses. Voltamos a Paris e soubemos do escândalo dos ingressos falsos distribídos para clientes da agência de viagem que monopolizara a venda dos bilhetes. Por sorte o lote enviado ao nosso hotel (o pedido da minha mãe pra mudar de hotel não foi atendido) era legítimo e conseguimos ir pro jogo. Subúrbio de Paris, lugar horrível pra chegar mas estádio novinho em folha. Na arquibancada uns cariocas do grupo me falaram que o Edmundo ia jogar. Dei risada e não dei a menor bola, era simplesmente impossível o Ronaldo ficar de fora do jogo depois de tudo que tinha feito contra a Holanda. O Brasil entrou em campo em marcha lenta, o jogo não fluía e o 2o gol aos 46 do 1o tempo matou o Brasil. O nosso jogo não encaixava com o dos caras. Na longa volta de onibus do estádio pro hotel os torcedores de sofa tiveram a atitude vira-lata de abrir as janelas e aplaudir os franceses que buzinavam nas ruas. Deste ponto em diante eu me lembro de muito pouco, é como se fosse um trauma que gera um borrão na memória. Lembro-me que não dormi direito, que estava catatônico no dia seguinte, que minha mãe me comprou, em vão, um par de óculos escuros pra me animar. Lembro que tive certeza que deus, do jeito que eu conhecia até então, tinha morrido.

“A perda da virgindade” – EUA 94 

A proximidade da Copa de 2014 tem me deixado ansioso e ao mesmo tempo saudosista. Como é difícil gerenciar a primeira, decidi exercitar o saudosismo e escrever sobre os mundiais que mais me marcaram. Todos de que consigo me lembrar. Apesar de já estar com 10 anos, não incluo a Copa de 90 na categoria “memorável”. Recordo-me de alguns “flashes”: o bafo com as figurinhas no colégio, a animação utilizada pelo SBT na transmissão dos (poucos) gols do Brasil, a preocupação quando a claudicante campanha dos argentinos os colocou na nossa rota já nas 8as, os gols perdidos por Muller & Cia naquele dia fatídico em que minha mãe resolveu organizar uma festa em casa para assistirmos ao jogo. Talvez seja isso, quem faz festinha em casa em dia de jogo decisivo e deixa a TV praticamente no mudo não merece ganhar o mundial. Não merece sequer se lembrar dele com clareza. 94 foi diferente. A tensão começou nas eliminatórias. Derrota pra Bolívia em La Paz com frango do Taffarel. Ressureição em Recife ante a mesma Bolívia com o time entrando de mãos dadas pela primeira vez. Decisão contra o Uruguai com risco real de eliminação em pleno, capricho do destino, Maracanã. Com direito a Careca cortado e um tal de Romário (aquele que tinha se rebelado contra o Parreira por ter cruzado o oceano pra ficar na reserva contra a Alemanha em Porto Alegre) trazido de volta do exílio da seleção pra ter a atuação mais perfeita que eu tinha visto até então depois de prometer a semana inteira que poria o Brasil na Copa. Tenho a fita do jogo até hoje. Aquele cara genial, rebelde e estupidamente autoconfiante fascinou o moleque de 14 anos que só pensava em Copa. Que tipo de jogador garante pra 150 milhões de pessoas que trará um titulo mundial depois de 24 anos, mesmo sabendo que o elenco é mediano, desacreditado e envelhecido? Só podia ser um tipo de messias. Romário turbinou minha obsessão e a partir de maio eu simplesmente não assistia aula no colégio. Assim como o Charlie Brown, eu só escutava o professor murmurar enquanto devorava todas as revistas da Copa, devidamente escondidas embaixo da mesa. Finalmente 17 de junho chegou e aquela Bolívia de La Paz e Recife deu trabalho pra toda poderosa campeã do mundo, que se salvou com um gol de Klisman em Chicago. Movido a Romário, o Brasil estreou com tranquilidade, marcou cedo num lance que o goleiro russo deve tentar entender até hoje e neutralizou de vez a tensão da estreia com um Raí que já não era mais aquele. Se a Alemanha sofria e o Brasil vencia com tranquilidade poderia haver uma chama de esperança. Chama que se reforçou naquele 3x0 contra o então respeitado time de Camarões cujo primeiro tempo eu não consegui ver porque o carro quebrou no meio da estrada indo pro Guarujá. Quando celular não estava disseminado ainda e isso acontecei, só restava esperar por uma alma caridosa que parasse e nos socorresse. Chama que quase se apagou diante do balde de água fria do terceiro jogo. Partida sonolenta, estádio estranho, golaço de Kennet Andersson e empate em gol de bico do messias. Eu colava recortes de jornal e revista com fotos do Romário em meu banheiro. Próximo de uma foto do Baixinho tinha uma matéria sobre o jogo com uma expressão que me marcou: “retrato fiel e bisonho da partida”. Um time bisonho poderia ser campeão? Vieram as oitavas e não levamos muito a sério o fato da partida ser contra os anfitrioes e no feriado da independência dos caras. Isso até Leonardo encarnar Edmundo e desferir aquela cotovelada em Tab Ramos. O jogo se complicou e virou um trabalho para Romário, que encaixou um passe perfeito pra Bebeto acertar a garrafinha de água de Meola e sair dizendo que amava o Baixinho para os tais 150 milhões verem e ouvirem. Quartas de final contra a Holanda. Minha mãe resolve fazer um maldito churrasco. Umas 30 pessoas. O curta metragem de Brasil x Argentina quatro anos antes passa na minha cabeça e subo escondido para ver o jogo em paz com o Magrão. Jogo bom, golaço do Baixinho, golaço do Bebeto. Apagão geral e os caras empatam, o time tomou 2 dos 3 gols que sofreu na Copa num intervalo de doze minutos. Ajoelhado no chão e com a respiração presa,vi o desvio de corpo genial do messias e o gol de Branco. Pra balancear o estresse nada como uma semifinal sonolenta com gol simbólico de cabeça de um cara de 1,68m contra os gigantes vikings. Chuva de papel picado protocolar na casa de um amigo da minha mãe. 24 anos depois e os mesmos caras na final. É difícil explicar a sensação. Não sou uma pessoa de fé mas rezava muito. Não tinha medo dos italianos mas não sabia se o time seria o bisonho, o sonolento ou aquele contra a Holanda. Ajoelhado de novo na frente da mesma TV em que tinha visto Senna morrer ao vivo onze semanas antes, vi a disputa de pênaltis sozinho. O Magrão tinha voltado para São Paulo e minha mãe estava rezando na varanda. Luciano do Valle dizendo que Tostão era pé quente, pé quente, pé quente e Romário chorando que nem criança abraçado com a taça que ele prometera ganhar alguns meses antes. Não sei se foi a espera, a tensão, a obsessão ou o time bisonho. Mas aquela conquista teve um gosto de prazer misturado com dor. Mais alívio do que alegria. Mais redenção do que realização. Ser campeão do mundo era tudo que eu queria mas deveria ser mais prazeroso do que aquilo.

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